Um
artigo científico apresentado à Escola Superior de Polícia Militar como
exigência Curricular para aprovação no Curso Superior de Polícia, pelo Major
Leonarder Santos de Santana, e tendo como orientador o Cel. PM André Luiz
Araújo Vidal, atual Comandante do Comando de Polícia Ambiental - CPAM, com o
título “O Tráfico de Animais Silvestres e a Atuação da PMERJ”, confirma a
possibilidade da aplicação do artigo 180, do CP, diante da ineficácia da Lei
9.605/98.
2.7
- A INEFICÁCIA DA LEI 9605/98 E A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO ARTIGO 180 DO
CÓDIGO PENAL.
A concepção primeira de que animais
silvestres são coisas sem dono, enquanto entregues a vida fora do cativeiro,
foi a que vigeu no Brasil por muitos anos. Esta concepção tinha como base o
Código Civil Brasileiro, Lei 3071/16 em artigos 592 e 598. Porém este conceito
foi ultrapassado com a Lei de Proteção a Fauna, Lei n° 5197/67, que foi
erroneamente denominado de Código de Caça, no qual passa a adotar o princípio
de eu estes animais são bens de domínio da União.
Atualmente, os crimes ambientais e suas
sanções estão previstas na Lei n° 9605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), também
conhecida como “a lei da vida”. Esta Lei reuniu a matéria penal e outras
legislações, concentrando os delitos penais praticados contra o ambiente e
revogou parcialmente a Lei de Proteção a Fauna, sendo considerada, por
ambientalistas e juristas um grande avanço na legislação ambiental.
A tese de que o tráfico de animais
silvestres poderia ser enquadrado no tipo penal previsto no artigo 180 do
Código Penal teve início com o Delegado da Policia Federal Alexandre Silva
Saraiva, atualmente Superintendente Regional da Policia Federal do Estado do
Maranhão. No ano de 2009 o então Delegado Titular da Delegacia da Policia
Federal de Nova Iguaçu, publicou um artigo cientifico no site da Associação
Nacional dos Delegados da Policia Federal onde defendia a aplicação do artigo
180 do Código Penal nos crimes de tráfico de animais silvestres. O cerne de seu
artigo concebia na comparação entre o artigo 29 da Lei 9605/98 e o artigo 180
do Código Penal.
O Art. 180 do Código Penal, com redação
dada pela Lei n° 9426/1996, (BRASIL, 1940, p.766) tem a seguinte redação:
Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar,
em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir
para que terceiro, de boa-fé, adquira, receba ou oculte: Receptação, qualificados { 1° - adquirir,
receber, transportar, conduzir, ocultar,
ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de
qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de
atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime.
Pena
– reclusão, de três a oito anos, e multa “ (Grifos nossos).”
Já o Artigo 29, { 1º, III da Lei
9605/98 (BRASIL, 1998.p.18) diz o seguinte:
Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre,
nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização
da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena – detenção de seis meses a um ano, e multa.
{ 1° Incorre nas mesmas
penas:
(...)
III – Quem vende, expõe à venda, exporta ou
adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos,
larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como
produtos e objetos dela oriundo, proveniente de criadouros não autorizados ou
sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.
{ 2° No caso de guarda doméstica de
espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando
as circunstâncias, deixar de aplicar à pena (Grifos nossos)
Em
suas justificativas Saraiva (2009.p2) concluiu:
Podemos inferir, na leitura do caput
do Art. 29, que não constam ali os núcleos adquirir, receber, transportar,
conduzir ou ocultar, ter em depósito, vender, expor à venda, constante do caput
e do { 1° do Artigo 180 do Código Penal, Estão descritos no caput apenas os
seguintes verbos: Matar, Perseguir, caçar, apanhar e utilizar espécimes da
fauna silvestre. Assim, na verdade não há nenhum confronto entre o caput do
Artigo 29 e o artigo 180 do Código Penal, vez que utilizar não é o mesmo que
comercializar, tampouco o verbo “utilizar” pode ser equiparado a vender ou
comercializar, no contexto do tipo penal constante no caput do Art. 29 da Lei
9605/98, pois evidentemente se essa fosse a intenção do legislador esses verbos
estariam descritos no caput o que não ocorreu.
Poder-se-ia argumentar que isso não
ocorreu em razão destes verbos (vender, transportar e comercializar) estarem
previstos no início III deste artigo. Entretanto esse argumento carece de
fundamento, uma vez que fica claro que o legislador quis tipificar situações
completamente diversas, uma no caput para proteger a fauna e reprimir a caça,
ou seja, refere-se apenas a animais retirados da natureza e, de outra ponta, no
inciso III do mesmo Artigo, refere-se o legislador a animais “provenientes de
criadouros não autorizados ou sem a devida permissão (...)
Desta Forma, a Lei de Crimes
Ambientais, não completou a conduta daquele que comercializa animais silvestres
oriundo da natureza, ou seja, a venda daqueles animais objeto de caça amadora
ou profissional, por isso não está escrito no caput do artigo.
Esta tese contemplava ainda, em
linhas gerais, o argumento de que a fauna silvestre é um bem do Estado
Brasileiro, e sua retirada ilegal no habitat natural constitui um crime contra o
patrimônio.
Ainda segundo Saraiva (2009) não
que se falar de conflito aparente de normas entre o Art. 180 { 1° do CP e o Artigo
29 { 1°, III , da Lei 9605/98, vez que mesmo a luz do princípio da
especialidade, nem sempre o dispositivo da legislação ambiental é o que melhor tipifica
a conduta criminosa praticada em detrimento da fauna.
Observa-se numa leitura atenta a
legislação que as condutas de vender e
expor a venda animais silvestres retirados da natureza não são contempladas
no artigo 29 da Lei N° 9605/98, que só faz previsão a animais provenientes de criadouros não autorizados
ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.
Com este embasamento jurídico, no ano
de 2010 foram realizadas diversas operações conjuntas entre o extinto Batalhão
da Policia Florestal e de Meio Ambiente (BPFMA) e a Policia Federal – Delegacia
de Nova Iguaçu acarretando um grande impacto nas feiras livres dos logradouros,
pertencentes à circunscrição daquela Delegacia, correspondente a 22 municípios
do estado do Rio de Janeiro, englobando toda Baixada Fluminense, até o limite com
Volta Redonda.
Ainda no ano de 2010 essas ações
foram estendidas para todo o Estado do Rio de Janeiro através da Delegacia de
Repressão aos Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico (DELEMAP),
também da Policia Federal, maximizando seus resultados.
Quando aplicado o Artigo 29da Lei N°
9605, os traficantes que atuam nas feiras livres oferecendo animais silvestres
permanecem apenas algumas horas na delegacia, o tempo necessário para
preenchimento do Termo Circunstanciado, benefício da Lei 9099/95, pois o crime
é considerado pela brandura da sua pena, de menor potencial ofensivo comumente
são liberados antes mesmo dos agentes que efetuaram suas prisões.
Com a aplicação do artigo 180 do
Código Penal, as ações da PMERJ passaram a ter outro desfecho: os traficantes
eram presos, conduzidos para as Delegacias da Policia Federal eram autuados e
após a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante eram transferidos para o
Presídio Ari Franco. Água Santa/RJ. O tráfico nestas áreas não deixou de existir,
mas para os traficantes, na época em questão (ano de 2010) os riscos aumentaram
e os lucros diminuíram.
2.8
- A EFICÁCIA DA APLICAÇÃO DO ARTIGO 180 DO CÓDIGO PENAL DO ANO DE 2010
A eficácia da aplicação do artigo 180
do CP no combate ao tráfico de animais silvestres pode ser evidenciada através
dos dados estatísticos fornecidos pelo CPAM, entrevista e decisões judiciais
favoráveis
2.8.1
DADOS ESTATISTICOS
Tendo como base as informações contidas no
relatório Estatísticos sobre Crimes Ambientais no Estado do Rio de Janeiro
(CPAM, 2015), realizamos um recorte especial entre os anos de 2007 e 2011,
conforme Gráfico 3, podendo observar que a redução do número de animais
apreendidos no ano de 2010, comparado aos anos anteriores foi cerca de 70%.
Após o ano de 2010, com a mudança de
direção dos órgãos envolvidos, esses procedimentos foram abandonados pelas
autoridades responsáveis, retornando ao status
quo, ou seja, a aplicação apenas da Lei N° 9.065/98 e consequente
recrudescimento da venda Ilegal de animais silvestres na s feiras livres.
Considerações sobre o enquadramento típico do
tráfico de animais silvestres.
O
Procurador da República no Município de São João de Meriti, Renato de Freitas
Souza Machado, atuando nas áreas de Meio Ambiente, Crimes Ambientais e Direitos
do Cidadão, publicou o trabalho “Considerações sobre
o enquadramento típico do tráfico de animais silvestres”, Revista eletrônica do
Ministério Público Federal, em 2012.
No
resumo do trabalho ele considera que o “tráfico de animais silvestres tem sido
enquadrado pelos operadores do direito no art. 29, § 1º, III da Lei.9.605, como
crime de menor potencial ofensivo, levando à sua impunidade. Ocorre que tal
artigo não criminaliza as condutas de receber, transportar e vender animais
silvestres que foram retirados da natureza, sendo aplicável tão somente aos
animais oriundos de criadouros ilegais ou clandestinos. Aplica-se ao tráfico de
animais silvestres o tipo penal da receptação (art. 180 do Código Penal),
quando o agente tem consciência de que o animal é de origem criminosa”.
1 Introdução
Muito
se tem falado na mídia acerca da necessidade de tipificação autônoma do tráfico
de animais silvestres, prática que lamentavelmente vem se alastrando pelo país,
fomentada pelo funcionamento de Feiras Livres em Grandes Centros Urbanos,
especialmente em Municípios da periferia das Zonas Metropolitanas, com
fiscalização deficiente ou insuficiente do Poder Público.
Tal
prática, além de causar prejuízos inestimáveis à riquíssima fauna brasileira,
causando graves desequilíbrios ambientais em ecossistemas protegidos, já
frágeis pelo aumento da pressão antrópica, e elevando o risco de extinção de
espécies já ameaçadas, expõe a população a sérios riscos de saúde, em virtude
da ausência de qualquer controle sanitário sobre o transporte, armazenamento e
exposição de tais espécimes, que podem inclusive ser agentes transmissores de
toda a sorte de agentes biológicos nocivos à espécie humana.
Segundo
dados da RENCTAS (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres),
O tráfico de vida silvestre, no qual se
inclui a flora, a fauna e seus produtos e subprodutos, é considerado a terceira
maior atividade ilegal do mundo, depois das armas e das drogas. Ninguém sabe a
exata dimensão desse comércio, mas estima-se que movimente anualmente de 10 a
20 bilhões de dólares por todo o mundo (Webster apud Webb, 2001). Estima-se
também que o Brasil participa com cerca de 5% a 15% deste total (Rocha, 1995;
Lopes, 2000). (RENCTAS, 2001, p. 31)
Ausente,
portanto, no ordenamento jurídico brasileiro, uma tipificação específica
relativa à prática do tráfico de animais silvestres, as condutas de
comercializá-los e transportá-los vem sendo enquadradas, pelos diversos órgãos
do Ministério Público e do Poder Judiciário, no art. 29 da Lei 9.605, a Lei de
Crimes Ambientais, dentro das condutas previstas em seu § 1º, inciso III,
entendimento que acaba por desconsiderar a gravidade de tais delitos que,
assim, deixam de ter uma repressão satisfatória, enquadrando-se como crimes de
menor potencial ofensivo.
De
fato, o enquadramento das condutas de adquirir, vender e transportar animais
silvestres, como crime de menor potencial ofensivo, acaba por lhes conferir
completa impunidade, já que, na ausência de especialização por matéria nos
Juizados Especiais Criminais, muitos dos quais já se encontram abarrotados de
processos, os crimes contra a fauna dividem espaço com casos envolvendo crimes
contra a honra, lesões corporais leves ou culposas, desobediência, desacato,
ameaça, e outros que, por se tratarem, na maioria, de crimes contra o indivíduo,
acabam por ter prioridade.
As
investigações recentes da Polícia Federal indicam que alguns dos maiores
traficantes de animais do país, apesar de possuírem diversos antecedentes
criminais, não possuem qualquer condenação ou sequer aplicação imediata de pena
restritiva de direitos, através de transação penal. Ou seja, na maioria das
vezes, os casos prescrevem nas prateleiras do Judiciário, antes que se tome
qualquer medida.
Ademais,
também já se constatou que o tráfico de animais é praticado, essencialmente, no
âmbito de organizações criminosas, em forma de rede, tal como qualquer espécie
de tráfico ilegal, que intrinsecamente envolve produção, circulação e consumo.
Assim, para que o tráfico subsista, são necessárias as figuras do caçador e
seus auxiliares, que capturam os animais silvestres nas florestas; dos
transportadores, que os levam em carros particulares ou ônibus, dentro de
caixas ou “transportes” aos grandes centros urbanos; do traficante propriamente
dito, que pode tanto ser um comerciante de Feira Livre, como aquele que possui
um pequeno estabelecimento irregular, ou que tão somente comanda todas estas
operações de casa, por telefone, possuindo diversos vendedores intermediários;
e por fim, do consumidor final.
Nesta
grande cadeia, também por vezes se adicionam outros elementos, tais como
funcionários públicos responsáveis pela fiscalização, que se omitem, permitindo
que a prática ocorra, ou até mesmo participando diretamente, mediante pagamento
de vantagens indevidas, tais como fiscais ambientais de Unidades de
Conservação, Policiais Rodoviários Federais, fiscais alfandegários de
aeroportos, Policiais Militares que atuam junto às Feiras Livres, etc...
Portanto,
chega a ser absurdo pensar que um traficante de animais, com diversos
antecedentes criminais em crimes contra a fauna, que atua em verdadeira
organização criminosa, capturando animais às centenas, possa ser agraciado com
uma tipificação penal que foi dirigida àqueles cidadãos que, infelizmente
movidos por uma triste tradição ainda em vigor em nossa sociedade, possuem em
sua residência pássaros da fauna silvestre sem autorização dos órgãos
ambientais.
Pretendemos
aqui analisar a fundo as condutas previstas como crimes contra a fauna na Lei
dos Crimes Ambientais, de modo a verificar se elas podem ou não serem
consideradas “tráfico de animais silvestres”, e propor possíveis alternativas
de tipificação dentro do ordenamento jurídico vigente, como, por exemplo, a
receptação (art. 180 do Código Penal).
(...)
CONCLUSÃO
Diante
de tudo o que foi exposto, concluímos que:
a) O art. 29 caput da Lei 9.605, acompanhado ou não das causas de
aumento previstas nos §§ 4º e 5º, se aplica aos caçadores e seus auxiliares (no
que tange as condutas de matar, caçar apanhar, perseguir) e aos consumidores
finais ou meros possuidores que não têm consciência da origem criminosa dos
animais (condutas de utilizar ou matar).
b) O art. 29 § 1º, III da Lei 9.605 se aplica tanto a comerciantes
e transportadores, quanto a consumidores finais, quando os animais são
provenientes de criadouros ilegais ou clandestinos.
c) Não prevê, assim, a Lei dos Crimes Ambientais, no seu capítulo
referente aos crimes contra a fauna, as condutas de “vender, expor à venda,
exportar, adquirir, guardar, ter em cativeiro ou depósito e transportar”
animais silvestres retirados da natureza.
d) A lei 5.197, em seus art. 3º c/c art. 27, apenava as condutas
relacionadas ao comércio ilegal de animais silvestres retirados da natureza.
Contudo, há mais de dez anos o STJ tem firmado entendimento de que ela se
encontra revogada.
e) Os animais silvestres, quando retirados da natureza e passam a
possuir valor de mercado, podem ser classificados como “coisas”, por força do
art. 82 do Código Civil, podendo, assim, ser objeto do crime de receptação.
f) É possível enquadrar as condutas de “vender, expor à venda,
adquirir, guardar e ter em cativeiro ou depósito e transportar “animais
silvestres no crime de receptação, do art. 180 caput e 180 § 1º, do Código
Penal, dentro das condutas nele previstas de “adquirir, receber, transportar, conduzir
ou ocultar”, bastando que aquele que recebe o animal tenha consciência da sua
origem criminosa.
g) Já quanto à conduta de exportar animais silvestres oriundos da
natureza, esta pode ser apenada com a receptação (já que a conduta de exportar
é sempre precedida da de adquirir ou receber), bem como com o crime de contrabando
(art. 334 do Código Penal).”
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