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OS ACORDOS COM OS SUPERFICIÁRIOS


MINERAÇÃO: AÇÕES SEM FIM - OS ACORDOS COM OS SUPERFICIÁRIOS

O Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM, em função da sua interpretação do Código de Mineração, está dando muito trabalho à Justiça Estadual do Rio de Janeiro, ao encaminhar para ela ofícios que resultam na abertura de processos, visando acordo entre o superficiário (proprietário ou posseiro das terras que serão feitas pesquisas minerárias) e o Titular da Autorização de Pesquisa, pois aumentam a carga de processos que não resultam nem em acordo, nem em sentença, normalmente com extinção por falta de interesse das partes, como poderá ser visto no decorrer deste trabalho.

1 - OS ACORDOS COM O SUPERFICIÁRIO NO DNPM

O art. 27, do Código de Mineração, prevê que o titular de autorização de pesquisa poderá realizar os trabalhos respectivos, desde que pague uma renda pela ocupação dos terrenos e uma indenização pelos danos e prejuízos que possam eventualmente ocorrer.
O inciso VI do referido dispositivo diz que, se o titular do Alvará de Pesquisa, "até a data da transcrição do título de autorização, não juntar ao respectivo processo prova de acordo com os proprietários ou posseiros do solo acerca da renda e indenização de que trata este artigo, o Diretor-Geral do DNPM, dentro de 3 (três) dias dessa data, enviará ao Juiz de Direito da Comarca onde estiver situada a jazida, cópia do referido título." Art. 27 - O titular de autorização de pesquisa poderá realizar os trabalhos respectivos, e também as obras e serviços auxiliares necessários, em terrenos de domínio público ou particular, abrangidos pelas áreas a pesquisar, desde que pague aos respectivos proprietários ou posseiros uma renda pela ocupação dos terrenos e uma indenização pelos danos e prejuízos que possam ser causados pelos trabalhos de pesquisa, observadas as seguintes regras:

VI - Se o titular do Alvará de Pesquisa, até a data da transcrição do título de autorização, não juntar ao respectivo processo prova de acordo com os proprietários ou posseiros do solo acerca da renda e indenização de que trata este artigo, o Diretor-Geral do D.N.P.M., dentro de 3 (três) dias dessa data, enviará ao Juiz de Direito da Comarca onde estiver situada a jazida, cópia do referido título;

Cumpre salientar, por oportuno, que a obrigação de remeter a cópia do título de autorização de pesquisa ao Juiz de Direito da Comarca onde estiver situada a jazida decorre da necessidade de ser fixado previamente, ainda que na via judicial, um valor para a ocupação e a indenização ao proprietário ou posseiro do imóvel. Os trabalhos de pesquisa, de acordo com a regra do art. 27 do Código de Minas, somente podem ser iniciados após fixados tais valores. A prova do cumprimento da obrigação de remeter ao Juízo de Direito cópia do título de autorização é do DNPM.
Importante registrar que existe previsão legal no DNPM, através da Portaria 23/1997, no qual o art. 2º estipula a prorrogação da Autorização de Pesquisa, nos casos em que não houve ingresso judicial, mas que o titular não se omitiu no processo.  
“IV- A ausência de ingresso judicial na área atinente à autorização de pesquisa ou o assentimento do órgão gestor da unidade de conservação, quando necessário, serão considerados como fundamento para a prorrogação do alvará de pesquisa desde que o titular demonstre, mediante documentos comprobatórios, que atendeu a todas as diligências e intimações promovidas no curso do processo de avaliação judicial ou determinadas pelo órgão gestor da unidade de conservação, conforme o caso, e não contribuiu, por ação ou omissão, para a falta de ingresso na área ou de expedição do assentimento. (Redação dada pelo art. 2º da Portaria DNPM nº 564, de 19/12/2008)”.
 Desta forma, a sequência legal do Processo Minerário para obter a Concessão de Lavra inicia-se com a entrada do requerimento no DNPM; a outorga da Autorização de Pesquisa; o acordo do titular com o superficiário; em caso negativo o DNPM encaminha ofício ao juiz; para o acordo judicial entre o titular da Autorização de Pesquisa e o superficiário; caso o acordo seja concretizado judicialmente ou haja acordo sem a justiça, o titular encaminha a informação sobre o início da pesquisa e antes de vencer o prazo da outorga, entrega o Relatório da Pesquisa, que é analisado pelo DNPM, e sendo aprovado, o titular tem um ano, a partir da data da aprovação, para entrar com o requerimento de Lavra.
 Se não houver acordo com o superficiário, legalmente o titular não pode iniciar a pesquisa, e sem pesquisa não há porque fazer o relatório e Pesquisa, já que ela não foi feita; o DNPM também não pode aprovar um suposto relatório, pois se não houve pesquisa não pode existir relatório e muito menos aceitar um requerimento de Lavra. E se houve início da pesquisa sem acordo judicial ou não com o superficiário, esse início de pesquisa não deveria ter ocorrido.
 O código minerário é taxativo quando diz que não existe início de pesquisa sem acordo com o superficiário. Entretanto, essa admissibilidade é corrente e utilizam o argumento, que o Direito Administrativo admite que assim se proceda, pois o título definitivo, que permite a concessão ainda não foi outorgado.
 A Jurisprudência em relação a esse ponto é passiva e quando o DNPM cobra um relatório, quando o vício de origem não permitiria que esse relatório existisse, o silêncio das partes ocorre, pois a inércia do titular e do DNPM, prova que as duas partes estão agindo em desacordo com o instrumento legal.
 É o próprio Código de Mineração que determina que na eventualidade do titular do Alvará de Pesquisa não juntar ao processo administrativo prova do acordo realizado com o “superficiário” em determinado prazo, deverá o Diretor-Geral do DNPM encaminhar cópia do processo à Justiça Comum da Comarca onde se encontre a área. O Código também discrimina com precisão os procedimentos próprios desta ação que avaliará a indenização cabível ao proprietário do solo.
De acordo com Cristina Esteves e Silvia Serra[2] (2012, p. 78) a indenização pelos danos e prejuízos que possam ser causados “diz respeito apenas àqueles danos previsíveis decorrentes dos atos regulares da pesquisa que podem diminuir o potencial econômico da área”, não se confundindo com danos causados a terceiros, referentes aos trabalhos de pesquisa.

2 – OS ACORDOS COM O SUPERFICIÁRIO NA JUSTIÇA ESTADUAL

Dos processos formados a partir do encaminhamento de Ofício ao Juiz, nenhum deles resultou em valor de indenização de acordo com o inciso VII do art. 27, VI, do Código Minerário, sendo arquivados sem resolução do mérito e por inércia dos possíveis interessados.
Conclui-se como um grande desperdício de recursos e tempo do judiciário, o que está ocorrendo dentro do DNPM. O Código Minerário, em seu art. 29, inciso I, alínea “a” não deixa dúvidas que o Titular da Autorização tem a obrigação de iniciar pesquisa, em até de 60 (sessenta) dias, se for proprietário do solo ou tiver ajustado com o proprietário a forma e o pagamento das indenizações. O art. 62 preconiza que os trabalhos de pesquisa ou lavra não poderão ser iniciados, antes de ser paga a importância relativa à indenização e de fixada a renda pela ocupação do terreno. 

Art. 62 - Não poderão ser iniciados os trabalhos de pesquisa ou lavra, antes de paga a importância relativa à indenização e de fixada a renda pela ocupação do terreno.

Segundo Bruno Feigelson[3] (2014, p. 159), essa obrigação “tem o condão de proteger a satisfação do interesse público, evitando que o minerador, com título outorgado, não inicie os trabalhos em um prazo adequado”.
O fato do DNPM comunicar ao juiz, somente após ser comunicado do início da pesquisa é mais uma prova de que não se está cumprindo a Lei. Mesmo assim, essa comunicação ao juiz, como dito anteriormente, resulta em que 100% (cem por cento) dos processos são arquivados, sem que o previsto no Código Minerário ocorra por inércia das partes.
Essa comunicação na realidade serve apenas para constar que a justiça foi comunicada. Entretanto, o próprio Código estabelece em seu artigo 63, que no caso específico da Autorização de Pesquisa, dependendo da gravidade da situação, implica em advertência, multa e caducidade da Autorização.  O art. 64 estipula o valor da multa e art. 65 trata da caducidade do título.
Art. 63 - O não cumprimento das obrigações decorrentes das autorizações de pesquisa, das permissões de lavra garimpeira, das concessões de lavra e do licenciamento implica, dependendo da gravidade da infração, em:
I - Advertência;
II - Multa; e
III - Caducidade do título.
§ 1º - As penalidades de advertência, multa e de caducidade de autorização de pesquisa serão da competência do D.N.P.M.
§ 2º - A caducidade da concessão de lavra será objeto de portaria do Ministro de Estado de Minas e Energia.
Também foi observado o não cumprimento do art. 27, inciso XVI, que estabelece que concluídos os trabalhos de pesquisa, o titular da respectiva autorização e o Diretor-Geral do D.N.P.M. comunicarão o fato ao Juiz, a fim de ser encerrada a ação judicial referente ao pagamento das indenizações e da renda.
Percebe-se que o titular da autorização inicia a pesquisa sem ter ajustado com o proprietário do solo a indenização e a forma de pagamento e nem por ser proprietário do solo (art. 29, I, “a”) e o DNPM ciente do início da pesquisa sem o cumprimento da obrigação, ingressa judicialmente como forma de “legalizar” o início da pesquisa. 
Em levantamento realizado no site do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, em 19/10/2014, entre os anos de 2000 e 2014, em nome do.  Departamento Nacional de Produção Mineral, em todas as comarcas para processos cíveis de primeira instância, foram encontrados 1.388 (um mil e trezentos e oitenta e oito) processos, incluindo cartas precatórias, outros processos e processos referentes à apresentação de Alvará de Pesquisa à justiça (ofício ao juiz), em função de não ter havido acordo com o superficiário.
Em pesquisa realizada no site do Departamento Nacional de Produção Mineral, em 19/10/2014, existiam no Rio de Janeiro, 5009 (cinco mil e nove) Autorizações de Pesquisa, ativos e inativos entre 2000 e 2014, que não sendo de propriedade do requerente ou com acordo com o superficiário, deveriam ter sido encaminhados para a justiça.
Isso significa que um máximo de 28% (vinte e oito por cento) de alvarás de pesquisa foram encaminhados para a Justiça Estadual, não se tendo conhecimento de que algum deles tenha terminado com alguma decisão sobre acordo com o superficiário.
Num exemplo do padrão de ofício ao juiz, ou seja, do comunicado à Justiça informando sobre a expedição de Alvará de Pesquisa, na qual o DNPM esclarece que somente envia esse ofício à Justiça quando o “titular deixa de apresentar prova de acordo com o proprietário do solo”. Igualmente esclarece que “cabe ao pesquisador informar ao juízo o endereço dos superficiários, bem como, que é de responsabilidade do mesmo e do proprietário do solo o impulsionamento do processo judicial. Ressaltando, ainda, que a competência para processar e julgar a avaliação é do juízo estadual, uma vez que o ato de autorizar a pesquisa, não confere a União interesse na lide na condição de Autora, Ré, Assistente ou Oponente. Em razão disso, como a jazida encontra-se situada nesta Comarca, estamos encaminhando a cópia do citado Alvará de Pesquisa e a ficha cadastral minerária, para o início ao processo de avaliação judicial”.
Totalmente contraditório este documento, quando constatamos que esse procedimento é totalmente aleatório, pois se isso prevalecesse, não seria encontrado uma quantidade tão grande de autorizações de pesquisa, sem acordo com o superficiário e sem encaminhamento à justiça.
Desta forma, o acordo com o superficiário é desconsiderado pelo DNPM, que deixa o Titular iniciar as pesquisas sem acordo nenhum, nem particular e nem judicial.
O fato do DNPM não encaminhar o ofício ao juiz, também pode acarretar na justificativa do titular da autorização, de se defender de sanção por não apresentar relatório de Pesquisa.
O art. 22, inciso V, do Código Minerário, obriga o titular da autorização a realizar os trabalhos de pesquisa, devendo entregar o relatório antes do vencimento do título.

Art. 22 - V - o titular da autorização fica obrigado a realizar os respectivos trabalhos de pesquisa, devendo submeter à aprovação do D.N.P.M., dentro do prazo de vigência do alvará, ou de sua renovação, relatório circunstanciado dos trabalhos, contendo os estudos geológicos e tecnológicos quantificativos da jazida e demonstrativos da exequibilidade técnico-econômica da lavra, elaborado sob a responsabilidade técnica de profissional legalmente habilitado. Excepcionalmente, poderá ser dispensada a apresentação do relatório, na hipótese de renúncia à autorização de que trata o inciso II deste artigo, conforme critérios fixados em portaria do Diretor-Geral do D.N.P.M., caso em que não se aplicará o disposto no § 1º deste artigo.
§ 1º. A não apresentação do relatório referido no inciso V deste artigo sujeita o titular à sanção de multa, calculada à razão de uma UFIR por hectare da área outorgada para pesquisa.

Em relação ao prazo de prorrogação da autorização de pesquisa a PORTARIA Nº 23, DE 16 DE JANEIRO DE 1997, determina que: A prorrogação do prazo de validade do alvará de autorização de pesquisa deverá ser pleiteada em requerimento protocolizado até sessenta (60) dias antes do término do prazo de vigência do título, devendo ser instruído com relatório dos trabalhos efetuados e justificativa do prazo proposto para a conclusão da pesquisa. A prorrogação do prazo de validade do alvará de autorização de pesquisa não poderá ser superior ao concedido inicialmente, exceto quanto ao previsto no subitem I.2. da Portaria do Diretor-Geral do DNPM nº 16, de 13 de janeiro de 1997, caso em que a prorrogação será pelo prazo de 01 (um) ano.
 A ausência de ingresso judicial na área atinente à autorização de pesquisa ou o assentimento do órgão gestor da unidade de conservação, quando necessário, serão considerados como fundamento para a prorrogação do alvará de pesquisa desde que o titular demonstre, mediante documentos comprobatórios, que atendeu a todas as diligências e intimações promovidas no curso do processo de avaliação judicial ou determinadas pelo órgão gestor da unidade de conservação, conforme o caso, e não contribuiu, por ação ou omissão, para a falta de ingresso na área ou de expedição do assentimento.
O Instituto Brasileiro de Mineração – IBRAM, em seu site http://www.ibram.org.br, esclarece alguns aspectos práticos da Legislação Minerária Brasileira para os requerentes de títulos minerários como vemos a seguir: De posse do alvará, o Titular poderá ingressar na área autorizada para iniciar os trabalhos de pesquisa preconizados no plano de pesquisa, desde que tenha celebrado acordo com os superficiários.
Se, porventura, não houver acordo, ou ainda, caso haja, e se o mesmo não for apresentado ao DNPM, após a publicação do alvará, até a data de transcrição do título no livro próprio, o DNPM deverá notificar o Juízo de Direito da Comarca onde se situa a área autorizada para pesquisa mineral.
O que não ocorrendo, o titular deverá requerer ao DNPM para fazê-lo, a fim de que possa homologar em Juízo o(s) acordo(s) que tenha celebrado com o(s) superficiário(s) depois daquela data.
Por sua vez, o juiz determina a abertura do processo de avaliação judicial dos terrenos, provocada pelo DNPM, e intima a titular a dar curso ao processo através do pagamento das custas e notifica as partes na tentativa de um acordo amigável; o que não havendo, o juiz nomeará um perito para apurar os pagamentos a realizar pela titular ao(s) superficiário(s) por danos e prejuízos causados (indenização) e pela ocupação dos terrenos (renda).
Isto poderá se arrastar por vários anos, e não tem sido um expediente muito usado por titulares de autorizações de pesquisa; na mais das vezes, ocorre o acordo amigável entre as partes, mediante pagamento pelo titular de renda pela ocupação dos terrenos e indenização por danos e prejuízos causados.
O código de mineração e seu regulamento preconizam a prorrogação do alvará quando o titular não consegue concluir os trabalhos previstos no plano de pesquisa no prazo de vigência da autorização que é de 3 (três) anos. e, ao longo dos anos, tem sido usual a prática do requerimento ao DNPM de prorrogação do alvará, anteriormente denominada renovação, e que, nas mais das vezes é atendido por aquela autarquia, através da análise do relatório dos trabalhos efetuados e justificativa do prosseguimento da pesquisa, e que despacha favoravelmente pela prorrogação por 2 (dois) ou 3 (três) anos do alvará, notadamente tratando-se de áreas na Amazônia Legal (“região ínvia e de difícil acesso”).
Outro tipo de solicitação para prorrogação de alvará se funda na falta de ingresso na área, por não ter havido acordo (amigável/judicial) com o(s) superficiário(s), o que tem de ser comprovado no DNPM, mediante certidão do cartório que ateste o competente diligenciamento do já falado processo de avaliação judicial dos terrenos autorizados para pesquisa mineral.









[1] [1] Luís Fernando Ramadon é Agente de Polícia Federal, Bacharel em Direito e Ciências Econômicas, e com Pós-Graduação em Direito Ambiental, com a monografia “Crimes Ambientais na Área da Mineração”.
[2] SERRA, Silvia Helena e ESTEVES, Cristina Campos. Mineração, doutrina, jurisprudência, legislação e regulação setorial, p. 78.
[3] FEIGELSON, Bruno. Curso de direito minerário, p. 159.