ACCAMTAS

O TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES - DEBATE



         Em novembro de 2001, a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres – RENCTAS lançou o 1º RELATÓRIO NACIONAL SOBRE O TRÁFICO DA FAUNA SILVESTRE, informando que a Região Norte é a primeira no tráfico de animais. O Relatório afirma que de 1992 a 2000 foram apreendidos 263.972 animais em todo o Brasil, 81.901 só na Região Norte e que por ano o tráfico de animais silvestres é responsável pela retirada de cerca de 38 milhões de espécimes da natureza no Brasil.
Continua estimando que para cada produto animal comercializado são mortos pelo menos 3 espécimes; e para o comércio de animais vivos, esse índice é ainda maior, de cada 10 (dez) animais traficados, apenas 1 (um) sobrevive. Nove morrem durante a captura ou no transporte inadequado.    

  

No dia 25 de março de 2016, o ambientalista MARCELO PAVLENCO ROCHA, da ONG SOS FAUNA, em rede privada, iniciou um debate discordando desses números, pois não é possível ter precisão sobre o crime consumado. Que são muitos animais não temos dúvidas, mas quantos? Nesta linha de raciocínio, com base na vivência em campo, nós temos nossa visão em relação aos crimes consumados e os que são interceptados.

LUIS FERNANDO RAMADON, coordenador da ACCAMTAS – RJ, relatou que teve contato com o Dener Geovanni, coordenador da RENCTAS, numa época romântica e esperançosa do movimento ambientalista na década de 90.
Um pouco antes, na década de 80 e nos idos da Rio-92, acreditava na Agenda 21, no protocolo de Kyoto, no Relatório Brundtland, na educação ambiental, no fortalecimento das ONGs e apedemas e nas denúncias aos órgãos ambientais, que também estavam sendo criados ou fortalecidos. Também nessa época valorizava-se os problemas, pois se assim não fosse, não se alcançaria a repercussão necessária dos gravíssimos problemas ambientais.
LUIS FERNANDO RAMADON continua: com a RENCTAS não foi diferente e a exposição dela na mídia, principalmente após o convênio com a Polícia Federal, ajudou a disseminar o conhecimento do tráfico do animal silvestre, colocado pela mídia como o 3o maior crime em rentabilidade, do qual discordo, mas que não recuo em um milímetro da importância em combatê-lo.
No início da década passada, esse crime chegou ao seu auge, provocando um direcionamento das forças policiais para o seu combate. Nesse cenário surgiu nomes como Jorge Pontes e Alexandre Saraiva, ambos da Polícia Federal. Com apoio e determinação conseguiram efetivos resultados que são elogiados até hoje, 10 anos após as operações.
Obviamente vejo de perto esforços institucionais para ampliar os focos investigativos. Ferramentas de capacitação e de inteligência foram muito oferecidas pela DMAPH através dos DPFs Perazzoni e Renato Madsen, realmente renovações muito positivas a nível nacional, e aproveitadas nos estados muito aquém do que poderia ser.
Alguns resultados são alcançados pelo enorme esforço de compromissados com o fazer a sua parte. Realmente o mundo ideal poderia ser menos distante da realidade. Percebe-se por um lado uma burocracia estagnante e por outro, ações imediatas baseadas nas apurações de denúncias, no caso do Rio de Janeiro realizadas incansavelmente pelo CPAm.
Acredito na criação de uma Força Tarefa que envolva forças policiais federais (DPF e PRF) e estaduais (CPAm e DPMA], juntamente com o trabalho técnico das instituições federais (IBAMA, ICMbio), ONG's e dos ministérios públicos, para focarem todos os níveis do tráfico, desde a origem até o mercado consumidor.
Pelo que vejo, temos mais trabalho a fazer hoje do que na década passada. Precisamos além de mais recursos materiais e humanos, precisamos de renovação a começar nas academias de Polícia, com mais ênfase nas matérias ambientais e minerárias e com o fortalecimento das tutelas ambientais dos ministérios públicos.
Por outro lado, sou um dos que pensam que se existe o tráfico é porque existe o consumidor. Ninguém fica viciado em ter um animal silvestre em casa. Não é um problema de saúde. É um problema de educação ambiental.
Tem que haver transversalmente nos currículos escolares a divulgação de que animal é para viver livre na natureza.
Tem que haver no CONAMA normas acabando com a permissão de venda de animais em pet shops, acabar com a locação de animais para festas, acabar com os Jardins Zoológicos, com a importação de animais exóticos, acabar com a permissão das anilhas, acabar com os criadouros e com isso o fim do SISPASS. Devendo existir somente centros de recuperação e reintrodução de animais na natureza.
Estive no lançamento do 1o Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre, em 2001, com a participação da Policia Federal, no Palácio Guanabara, Rio de Janeiro, não tendo como confirmar se o número de 38 milhões, poderia ser real ou irreal em 2001. O problema percebido é que não foi divulgado de que forma as estimativas foram realizadas e qual método estatístico que serviu de ferramenta.
No Relatório é informado que foi feito com base em dados oficiais do IBAMA e em dados das feiras livres do Rio de Janeiro publicado por Braga, em 1998, no trabalho Controle ambiental para a fauna silvestre no âmbito do estado do Rio de Janeiro. Somente isso.
O importante é que dados atualizados devem ser disponibilizados, de forma a se unir forças para combater efetivamente este tipo de crime. Ficam as ideias e propostas. Que sejam muito bem aproveitadas pelos que podem decidir.

JULIANA MACHADO, Diretora Executiva da ONG FREELAND BRASIL - SP se posicionou dizendo que não tem como avaliar essa estimativa de 38 milhões mas lembra que esse número é muitas vezes usado de forma errônea, pois envolve todos os tipos de tráfico (e não apenas para pet), além de não levar em conta peixes e invertebrados. Mas pensando em alguns números - média de 30k animais apreendidos só pela PAmbSP, ou estimativas como a do estudo de Regueira e Bernard 2012 sobre as feiras de Recife, vemos que os números são mesmo imensos.
Lembra que estimativas internacionais sérias (de diversas ONGs, pesquisadores e até do governo americano) o tráfico de vida silvestre e suas partes e produtos (diferente de tráfico só para pet) está sim entre as quatro maiores atividades ilegais - tráfico de drogas, armas e pessoas sendo os outros três.
Números e valores aumentam se considerados madeira e peixes (timber e fisheries). O problema é tão grande que desde 2013 o combate ao Wildlife trafficking faz parte das prioridades do governo federal dos EUA.
E entre as prioridades está o desenvolvimento dessas forças tarefa nacionais e regionais (WENs). Isso é algo que vem sendo feito no Brasil e na América do Sul catalisado pelos Ministérios Públicos Ambientais.
O lançamento da rede Sul americana (SudWEN) se deu em 2014, com representantes dos MPs de vários Estados, MPF, DPF, PR, RF, além de promotores e procuradores do Paraguai, Chile, Peru, Colômbia, Equador, Argentina e Venezuela. Estando agora trabalhando para institucionalizar o acordo e iniciar as operações, principalmente com fortalecimento de capacidades e ações investigativas multi agências e transnacionais.          

                                                                                 

MARCELO PAVLENCO ROCHA, Coordenador da SOS-FAUNA - SP diz que a primeira lei de proteção à fauna silvestre é de 1967, a Lei 5.197/67. De lá para cá teve início as ações de proteção à fauna, apreensão de silvestres. Em 1989, começou a sua empreitada nessa área, a SOS Fauna nasceu em 2000, mas antes disso, na década de 90, ele carregava uma preocupação em relação à destinação correta de animais silvestres apreendidos no que dizia respeito à soltura.
Estudou daqui e dali e descobriu que nunca, jamais e em tempo algum nenhum animal silvestre oriundo da caatinga, do semiárido nordestino, sendo apreendido em São Paulo, ao Nordeste regressou.
Foi então que, aproveitando um documentário que fez com a Discovery - ANIMAL PLANET, em 2004, levou pela primeira vez na história o primeiro grupo de pouco mais de 30 aves silvestres de volta à Bahia. TRINTA E SETE ANOS DEPOIS DA PRIMEIRA LEGISLAÇÃO DE PROTEÇÃO À FAUNA. E antes disso, nestes 37 anos, o que foi feito com todos os animais da caatinga apreendidos em São Paulo? O documentário para interessados no problema é:


MARCELO, da SOS-FAUNA continua: Tenho certeza que se os Doutores Saraiva e Jorge Pontes pudessem ter continuado nas DELEMAPHs e com AUTONOMIA TOTAL, certamente muito mais já teria sido feito no que diz respeito ao trabalhos da PF neste campo, mas muitas vezes vemos que inúmeros dos funcionários públicos que dão tudo de si para realizar o seu trabalho, com gás total, muitas vezes, pela questão de como funciona o mecanismo governamental, acabam não conseguindo ir em frente, faltam recursos, pessoal, entre outros. A OPERAÇÃO OXÓSSI é um exemplo do que deu MUUUUUUUUITO CERTO!!!!!
Outro exemplo do que teve excelentes resultados foi o trabalho realizado pela 7ª Delegacia Seccional de Polícia de Itaquera, em São Paulo, durante quase dez anos. Algo que nasceu do elevado nível de consciência dos policiais civis que ali trabalhavam como o policial Sidney, agora na Delegacia de Meio Ambiente de Diadema - SP. Trabalho este que foi ceifado pelo próprio governo estadual paulista ao criar um decreto que tirou das delegacias existentes na capital paulista a possibilidade de realizar e apurar, investigar tudo o que acontecia em relação a crimes contra fauna silvestre, passando estas atribuições para uma delegacia que nunca operou direito e não opera até os dias atuais. Preciso ser sincero, não há como tecer elogios em relação à coisas que já presenciei neste últimos anos, são fatos!!! Uma das coisas que faz o tráfico de animais crescer é a omissão em relação à sua repressão.
Atualmente, pelo que presencio, embora não possa mensurar nada com números precisos, mas tenho certeza que o que é apreendido em animais silvestres em todo o Brasil não chega a DEZ POR CENTO do volume do crime consumado, ou seja, até a morte do animal no cativeiro do seu consumidor final. Isso é um triste sinal de que estamos perdendo a luta!
Tenho notado também que mesmo havendo uma facilidade para realizar esta atividade criminosa nos últimos anos, algumas espécies estão sendo comercializadas em número menor de indivíduos, justamente pelo motivo de que as populações naturais desta ou daquela espécie estão gradativamente diminuindo, e em muitos casos não pela supressão de habitat, mas sim pela captura em massa.
Outra realidade que me preocupa muito é vez ou outra ouvir algumas manifestações de quem está dentro do poder público e que teria que saber sobre certas coisas e não sabe, mas até aí pode aprender, mas não, soltam "pérolas" que nos fazem temer pelo que está por vir.
Certa vez obtive uma informação de fonte segura e séria de que uma procuradora de justiça de Mato Grosso do Sul, em reunião para tratar dos problemas pertinentes ao tráfico de filhotes de papagaio-verdadeiro no Estado, questionou a equipe do IMASUL sobre se eles tinha mapeados todos os ninhos de papagaio do Estado, quantos ninhos haviam e onde estavam. COMO?
E anos atrás, em uma conversa por telefone com uma bióloga do IBAMA de Brasília, esta me falou a seguinte frase: "o tráfico de animais silvestres não é algo que prejudique as populações naturais, pois as lacunas populacionais deixadas são sempre recompostas pela própria natureza".
Durante anos, muitos anos havia e ainda há a divulgação de que para cada dez animais retirados da natureza, apenas um sobrevive. Isso definitivamente não existe quando o crime é consumado. Lamento dizer, mas não é fato que exista a mortalidade de 90% da "mercadoria" do tráfico quando o crime é consumado, não existe, é fato, é real.
Não existe na história do mundo alguma atividade comercial que gere perdas de 90%. Os "malas" são bons em mantê-los vivos, apesar do sofrimento pelo qual estes animais passam.
Já antecipando aqui e que fique muito claro que a culpa não é de quem apreende, mas uma grande parte de óbitos cujas notícias vem à tona se dão a partir do instante zero de uma apreensão, principalmente quando estas envolvem interceptação de carga, depósitos clandestinos e feiras.
Não podemos culpar, de forma alguma, as autoridades envolvidas, pois muitas vezes o fato se dá a centenas de quilômetros do local que poderia prestar os primeiros socorros aos animais apreendidos. Desconheço qualquer iniciativa que focasse preparar policiais para este trabalho (trabalho que estamos fazendo agora, pode ser vistos em
Em depósitos clandestinos, muitas vezes os animais são retirados e levados para a delegacia, quando deveria ser ao contrário, uma equipe técnica ou com conhecimento deveria avaliar o que fazer antes de retirar os animais, este processo gera estresse altíssimo, muitas vezes passam muitas horas e até mais de um dia até chegar em um CETAS ou CRAS e aí inúmeros animais vão mesmo a óbito mesmo.
Outras vezes você percebe que o próprio local de recepção dos animais tem carências. Isso vale para feiras e interceptação de cargas também. Em apreensões envolvendo guarda doméstica a coisa é mais branda! Precisamos mudar isso também!                                                                              

Segundo ALEXANDER NORONHA, Coordenador da ARPA BRASIL - GO, a situação é confusa, chegando a ficar triste com grandes apreensões, pois sabe que a maioria dos animais irá morrer. E fica com raiva, mesmo se a apreensão foi decorrente de uma operação planejada, mas que o planejamento para a recepção dos animais foi negligenciada.
Para provar que não há nenhum critério, técnico, científico, criminológico, para o quantitativo de policiais lotados nas delegacias de crimes contra meio ambiente e nos batalhões ambientais em relação, respectivamente ao efetivo total da polícia civil e da Polícia militar como um todo, iniciou uma série de pedidos de acesso à informação para todas as polícias civis, militares e a PF também.
A pergunta era simples: Para as Civis: Qual era o percentual de policiais lotados nas delegacias de meio ambiente em relação ao efetivo total da civil? Para a PM: qual a relação do efetivo total X efetivo Batalhão Ambiental? Para a Polícia Federal: qual a relação do percentual de lotação das 27 DELEMAPHs em relação ao efetivo total de cada superintendência regional. E também percentual de lotação da CGMAPH em relação efetivo total de todas as coordenações.
Alguns estados responderam, outros não, uns variaram no mesmo estado fornecendo a informação da polícia civil e negando a da PM (em Goiás foi assim). Em São Paulo, antes do governo paulista classificar muitas informações sobre efetivo e distribuição policial como sigilosa, foi fornecido todos os dados da PM e da polícia civil.
Se tivéssemos informações de vários estados, poderíamos mapear porque o estado X tem mais policiais (percentualmente) disponíveis para a repressão e investigação de crimes ambientais do que outros. A partir disso, ajudaria a criar políticas públicas para mudar o quadro que é de total falta de critério e de interesse em reprimir tais crimes. Esse mapeamento será realizado em momento oportuno.
  

MARCELO da SOS FAUNA complementa: Aqui em São Paulo, embora tenhamos viaturas maravilhosas da Polícia Militar Ambiental, nas viaturas não há (salvo se há agora e eu não estou sabendo) sequer um grão de alpiste, uma banana, uma garrafa de água com uma pitada de sal e outra de açúcar para um soro caseiro se necessário precisarem. Há ar condicionado e ar quente para os policiais, mas para o local que carrega os animais, nada.
Pela segurança dos policiais, pela questão sanitária, em cada viatura deveria haver um caixinha de luvas de procedimento e uma de máscaras, não há, policiais correm risco ao manipular animais.
Não há efetivo suficiente, mas imagine se pudessem multiplicar os trabalhos por 4, se já não há locais para encaminhar animais neste ritmo, imagine multiplicando por 4.
Em relação à destinação de animais silvestres apreendidos, enxergo este mundo como um local de sombras. Muitas das ações, embora bem intencionadas, não são as melhores. Veja por exemplo no site do WIKI AVES
Temos um caso de uma mega apreensão de psitacídeos de Minas Gerais aqui em São Paulo, de 2008. Havia origem geográfica dos animais, mas todos os papagaios, 195 se não me falha a memória, ainda estão aqui, se vivos eu não sei. Quando fui me aproximando de quem os mantem, para ajudar, me trataram como se eu fosse o Demônio tentando invadir o Paraíso.
Entendo que o ideal seria procurar crimes acontecendo, sem que haja uma denúncia ou qualquer outra informação. Sempre fiz isso, sempre deu certo.