A REVISTA MINERAÇÃO E SUSTENTABILIDADE, de publicação bimestral, com uma tiragem de 10 mil exemplares para todo o país, publicou como matéria de capa, no seu número 31, em janeiro de 2017, uma reportagem, da Jornalista Sara Lira, de 4 páginas sobre o estudo feito por mim "A
extração ilegal de areia no Brasil".
A extração ilegal de areia no Brasil
Estudo apresenta
números alarmantes da atividade ilícita, cujos lucros no país chegam a ser superiores
aos dos gerados com o tráfico de drogas
Sara Lira
A extração ilegal de
areia no Brasil gera lucros maiores do que o tráfico de drogas. O dado é
alarmante e faz parte da conclusão de um estudo que analisou a atividade em
todo o território nacional. Realizada pelo agente da Polícia Federal (PF) e
especialista em direito ambiental Luís Fernando Ramadon, a pesquisa “A extração
ilegal de areia no Brasil” foi divulgada em novembro de 2016 e contém análises
da atividade ilícita praticada no país entre 2012 e 2015.
Segundo o estudo, a receita gerada pela
comercialização de areia em todo o país no
ano de 2015 foi muito superior à arrecadação
obtida com a Compensação Financeira pela
Exploração de Recursos Minerais (CFEM).
O
trabalho feito pelo agente da PF mostra que o faturamento gerado pela extração
de areia em 2015 foi de R$ 8,9 bilhões, 61% do que faturou o tráfico de drogas
(R$ 14,5 bilhões), de acordo com o relatório “Impactos Econômicos da
Legalização das Drogas no Brasil”, baseado em dados do Escritório das Nações
Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). Segundo esse estudo, o faturamento proporcionado
pelo tráfico da maconha chegou a R$ 4,7 bilhões; do crack, a R$ 3 bilhões; e do
ecstasy, a R$ 1,3 bilhão. Isso demonstra que, isoladamente, a extração ilegal
de areia ultrapassa o faturamento de todas essas substâncias ilícitas. A
estimativa é que, nos quatro anos de análise, a atividade tenha gerado mais de
R$ 36 bilhões de lucro.
Devido à
ação clandestina, União, Estados e municípios deixaram de arrecadar em 2015,
através da CFEM, entre R$ 106 milhões e R$ 142 milhões. Somando-se os valores
dos quatro anos analisados, chega-se a números que ficam entre R$ 433,5 milhões
e R$ 578 milhões.
De acordo
com Ramadon, que também já coordenou o grupo de operações da Delegacia de Meio
Ambiente do Rio de Janeiro, a pesquisa se iniciou no Rio porque ele constatou,
por meio de ações policiais, que o crime se repetia constantemente e que a
ilegalidade estava alta no Estado. “Mas, depois, passei a pesquisar em todo o
Brasil e percebi que a coisa era mais séria e maior do que eu imaginava. O
valor obtido com a venda dessa areia ilegal não gera arrecadação e acaba
contribuindo para a lavagem de dinheiro, pois as lojas que compram o produto
emitem notas fiscais frias”, afirma. Além dos prejuízos financeiros, a ação
ilegal também promove a degradação ambiental, já que forma terrenos assoreados
e extingue áreas verdes.
O estudo
de Ramadon se baseou em dados do Departamento Nacional de Produção Mineral
(DNPM). Segundo o órgão federal, em 2012 foram produzidas 368.957.000 toneladas
de areia; em 2013, 377.209.028 toneladas; em 2014, 391.765.746; e, em 2015, a
produção foi de 348.966.176 toneladas. No entanto, a quantidade consumida não
bate com a declaradamente extraída (confira tabela ao fim da matéria).
LEGISLAÇÃO
Pela
Constituição da República, todo minério é considerado bem da União. Sendo assim,
para se lavrar uma área, são necessárias a autorização dos órgãos competentes e
as devidas licenças ambientais, além de estudos, conforme explica o advogado e
especialista em direito minerário Bruno
Feigelson.
“Qualquer extração que não respeita esses trâmites é irregular e se enquadra no
artigo 55 na Lei dos Crimes Ambientais (9.605/1998). A pena é detenção de seis
meses a um ano, mais multa”, diz.
A atividade
também é tipificada como crime por ataque ao patrimônio, balizado pela Lei nº
8.176, de 8/2/1991, que, no artigo 2º, prevê crime na modalidade de usurpação a
produção de bens ou a exploração de matéria-prima pertencente à União sem
autorização legal ou em desacordo com o título autorizativo. A lei também pune
quem adquirir esse material, bem como quem o transportar, industrializar,
consumir ou comercializar. “Os agregados, muitas vezes, não chamam a atenção.
No Brasil. Considera-se muito o minério de ferro, e o agregado, por ser um
minério de valor mais baixo, recebe atenção menor por parte do Estado”, destaca
Feigelson.
Ainda
assim, há quem não se intimide e se aposse de determinada área para extrair o
material, cometendo não somente a ilegalidade de lavrar sem autorização, mas
ainda a de degradar a área. Para isso, de acordo com Ramadon, pessoas comumente
se utilizam de milícias para expulsar os moradores e proteger o “negócio”. Há
casos também em que o minerador possui a outorga legal, mas, depois, passa a extrair
fora da área autorizada. “Como crime organizado, a infiltração no poder público
é uma realidade. Em troca de vantagens ou de participação no “esquema”, agentes
públicos impulsionam os processos administrativos de permissão ou autorização,
bem como a expedição de guias, além de postergar ou não realizar a fiscalização.
Em alguns casos, essas pessoas até mesmo fazem a inserção de dados falsos nos
sistemas”, denuncia o autor do estudo.
REPRIMINDO
O CRIME
A
informalidade e a falta de fiscalização de pequenas mineradoras colaboram para
a incidência do crime. O órgão responsável por esse trabalho é o DNPM. No
entanto, conforme relata Ramadon, dada a “conhecida falta de estrutura” do
departamento nacional, o trabalho não é executado de forma adequada. A
reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa do órgão, que não
retornou. “O DNPM conta com um time de profissionais excelente. Mas é uma
autarquia que não dispõe de recursos há muito tempo”, lamenta Feigelson. “O
DNPM fiscaliza principalmente a lavra legal. No entanto, a Polícia Federal
demanda ações mais duras, que visem à prisão em flagrante de pessoas envolvidas
na atividade de extração ilegal de areia”, completa Ramadon.
Como Luís
Fernando explica no estudo, em 2015 o Ministério Público Federal (MPF)
instaurou 223 Inquéritos Civis Públicos em função de supostas irregularidades
cometidas por empresas de mineração e pessoas físicas, que causaram danos ao
meio ambiente ou ao patrimônio público em decorrência da atividade de
mineração. “Esse indicador nos permite perceber a gravidade da questão e o trabalho
que precisa ser realizado para se tentarem punir os culpados pelos crimes”,
salienta.
De acordo
com o estudo do policial, Estados das regiões Norte e Nordeste são os que
apresentam o maior índice de constatação de extração ilegal de areia no Brasil,
seguido pelos da região Centro-Oeste. Depois, vêm os do Sudeste e do Sul, os
quais apresentam números menores de ocorrências de extração ilegal de areia.
Na opinião
do especialista, para que o crime seja coibido, é necessário que haja a
integração do trabalho das instituições, que, juntas, podem conseguir apoio do
DNPM e de institutos ambientais. “Combater a extração ilegal de areia é mais
fácil do que o tráfico de drogas. Se a pessoa tiver a oportunidade de legalizar
sua área para fazer a extração, melhor. Não é abrir facilidades, mas criar
oportunidades. Eu desejo que haja repressão efetiva para localizar esses
grandes destruidores da natureza”, frisa.
A IMPORTÂNCIA
DOS AGREGADOS
A areia,
o cascalho, o saibro e outros materiais compõem um importante grupo: o de
agregados para a construção civil. São matérias-primas indispensáveis para o
desenvolvimento da infraestrutura urbana e de moradia.
De acordo
com o agente da Polícia Federal e autor do estudo sobre a extração ilegal de
areia no Brasil, para cada quilômetro de uma linha do metrô, por exemplo, são
consumidas 50 mil toneladas de agregados, e a mesma distância de uma estrada
pavimentada consome 9.800 toneladas. Em edifícios, são utilizadas 1.360
toneladas em cada mil metros quadrados de área construída. Em casas populares
de 50 metros quadrados, são usadas 68 toneladas. Além disso, Ramadon lembra que
a areia é constantemente empregada na indústria de transformação: vidros,
química, cerâmica, siderurgia, filtros, sendo esses setores que usam a areia em
alguma parte do processo.
A areia é
encontrada em leitos de rios, dunas e planícies, podendo ser classificada como
fina, média ou grossa. Para se extraírem os depósitos nos rios, são utilizadas
dragas de sucção, que bombeiam a água, separando a areia em lagoas de decantação.
A partir daí, ela é retirada por pás carregadeiras ou de forma braçal. Nas
planícies, a extração nas cavas ocorre em depósitos aluvionares, por meio de
escavação mecânica ou de desmonte hidráulico.