Item é mais raro que parece – e sua extração ilegal enriquece o crime organizado em todo o mundo. No brasil, montantes ilegais são bilionários
1) O que, é, em uma definição sucinta, uma areia ilegal?
A extração ilegal pode ocorrer quando o minerador extrai fora da área (processo minerário) autorizada, ou quando começa a extrair sem ter Guia de Utilização, Licenciamento ou Concessão de Lavra e quando o criminoso, com seu maquinário e caminhões ou mesmo com pás e animais de tração, extrai em qualquer lugar onde a areia esteja, seja em rios, cavas ou outros depósitos, sem as devidas autorizações da Agência Nacional de Mineração, descumprindo o que estabelece o Código de Mineração, Decreto-Lei nº 227 de 28/2/67.
2) O seu levantamento aponta que há crimes de extração ilegal de areia — isso se dá mais por minas ilegais ou por minas que extraem mais do que é permitido legalmente?
Os dois tipos podem ocorrer. Nos grandes centros existe até algum tipo de fiscalização, mas nas regiões um pouco mais afastadas é mais difícil. Quem extrai e não declara que extraiu, mesmo tendo um processo minerário que lhe permite extrair, também está extraindo uma areia ilegal.
3) Como é possível definir a fiscalização no Brasil sobre o mercado ilegal de areia?
Uma das deficiências de fiscalização ocorre em função da redução drástica de funcionários da Agência Nacional de Mineração, que em 2010 eram 1.194 funcionários e em 2024 apenas 691, para todo o Brasil, segundo a própria ANM.
Inclusive, em junho de 2024, de um total de 37.600 Processos Minerários que extraem legalmente, foram apresentados 13.500 Relatórios Anuais de Lavra, ou seja, somente 36%. Desta forma, quem garante o que ocorreu nos outros 64%?
4) Nem toda a areia pode ser utilizada para os fins de construção civil? É correto dizer que a areia está em extinção no Brasil e no mundo?
Quando o mundo começou a ser alertado nas três últimas décadas do século passado, sobre os problemas que poderiam acontecer devido à mudança climática, alguns negacionistas começaram a dizer que eram exageradas as previsões, que eram militantes ecológicos querendo aparecer. Hoje, existe uma preocupação mundial sobre os desastres climáticos.
Em relação à extração ilegal de areia, o primeiro prejudicado é o meio ambiente. Em 2014, o Programa da Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), alertou sobre o problema da futura escassez de areia, um dos recursos naturais mais acessíveis, em função demanda insaciável para a construção de moradias e obras públicas, como estradas e rodovias, extraída principalmente em rios, praias, restingas e depósitos arenosos, causando danos ambientais irreversíveis nos ecossistemas.
Alterações dos cursos d'água; aumento do teor do material sedimentado em suspensão, promovendo assoreamento; desmatamento; descaracterização do relevo; formação das cavas; assoreamento de cursos d'água perenes; destruição de áreas de preservação permanente; destruição da flora e fauna; Alteração do meio atmosférico, são apenas alguns dos danos ambientais provocados pela exploração mineral.
Com esse alerta, diversos estudos começaram a ser produzidos para dimensionar o problema e procurar soluções alternativas para a areia, como um dos agregados do concreto, alicerce da construção civil em suas obras.
Em 2107 a ONU Meio Ambiente publicou o estudo “Areia e sustentabilidade: Encontrar novas soluções para a governação ambiental dos recursos globais de areia” revelando que a extração de agregados nos rios levou à poluição, inundações, redução dos aquíferos e agravamento da seca.
Um estudo de 2022 realizado na Universidade de Amsterdã, concluiu que a atual dragagem de areia de rios, que ultrapassam em muito a capacidade da natureza para a substituir, poderá fazer com que o mundo fique sem areia para construção até 2050. O relatório da ONU confirma que a extração de areia às taxas atuais é insustentável.
Em 2023 o Fórum Mundial de Recursos, lançou o Marine Sand Watch, uma plataforma global de dados que rastreia e monitoriza a extração de areia no ambiente marinho. O evento organizado pelo PNUMA/GRID-Genebra e pela Rede Ambiental de Genebra, discutiu etapas para identificar boas práticas na extração de padrões e políticas ambientais.
A “Scientific American” é uma revista mensal de divulgação científica dos Estados Unidos desde 1845, publicou em de fevereiro de 2024 o artigo “– Por Dentro dos Círculos do Crime Tráfico de Areia”, que levanta a questão da extração ilegal da areia, onde o crime organizado está extraindo areia de rios e costas para alimentar a procura mundial, arruinando ecossistemas e comunidades.
Portanto, essa areia extraída ilegalmente pode contribuir para diminuir o estoque de areia no mundo. Já existe essa preocupação com a extinção, que da mesma forma que ocorreu com as mudanças climáticas, muitos leigos consideram essa afirmação como exagerada, mas somente por achismo, sem nenhum estudo que prove ao contrário.
5) A situação que o Brasil passa é igual a outros países que sofrem da mesma "epidemia" de areia ilegal?
Os números do estudo a “Extração Ilegal de Areia no Brasil e no Mundo – 2024”, revelam que 68% da areia consumida no Brasil é proveniente de extração ilegal e deixa de arrecadar com a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais – CFEM, entre cerca de 160 e 540 milhões de reais, a depender do preço comercializado.
A situação realmente é muito crítica, principalmente pela deficiência de fiscalização por parte de todos que deveriam fiscalizar.
6) O cidadão consegue tomar alguma medida concreta para evitar alimentar esse mercado? Como não comprar areia pirata?
O cidadão comum não tem muito a fazer, pois ele vai numa loja de material de construção e compra a areia com nota fiscal. A loja de material de construção compra a areia da mineradora com nota fiscal. Como saber se a mineradora extraiu a areia de uma área em que tinha autorização para extrair? Como saber se a loja não comprou a areia de carroceiros, que foram no rio e buscaram a areia? Somente o poder público, consciente da importância de se combater esse crime é que pode minimizar os diversos problemas que ocorrem. E para isso tem que haver vontade política, tem que a haver conhecimento e preparo.
Para o cidadão resta tomar conhecimento da importância desse crime no cenário mundial e cobrar das autoridades a diminuição desses surpreendentes índices de ilegalidade.
Ranking Atualizado dos Principais Crimes Globais – GFI/LFR. - 2023
| CRIMES TRANSNACIONAIS[1] | FATURAMENTO US$ bilhões |
1 | Pirataria e Falsificações | 923,0 a 1.130,0 |
2 | Tráfico de Drogas | 426,0 a 652,0 |
3 | EXTRAÇÃO ILEGAL DE AREIA | 376,8 a 659,2 |
4 | Tráfico de Pessoas | 150,2 |
5 | Extração Ilegal de Madeira | 52,0 a 157,0 |
6 | Mineração Ilegal de Ouro, Diamantes e Pedras Preciosas | 12,0 a 48,0 |
7 | Pesca Ilegal | 15,5 a 36,4 |
8 | Tráfico de Animais Silvestres (Selvagens) | 5,0 a 23,0 |
9 | Roubo de Petróleo Bruto | 5,2 a 11,9 |
10 | Tráfico de Bens Culturais E Artísticos | 1,2 a 1,7 |
11 | Tráfico de Armas | 1,7 a 3,5 |
12 | Tráfico de Órgãos | 0,84 a 1,7 |
Fonte: Adaptação do autor no Ranking da Global Financial Integrity – GFI/Ramadon, Luis Fernando, 2024.