Sara Lira – 26 de março de 2018
Revista Mineração e Sustentabilidade - http://revistamineracao.com.br/2018/03/26/extracao-ilegal-de-areia-no-mundo-um-negocio-bilionario/
Revista Mineração e Sustentabilidade - http://revistamineracao.com.br/2018/03/26/extracao-ilegal-de-areia-no-mundo-um-negocio-bilionario/
Crime alimenta máfias em
diversos países que encontram na atividade uma forma fácil de lucrar, deixando
rastros de degradação irreversíveis.
A extração ilegal de areia no
mundo movimenta anualmente entre US$ 181,96 bilhões e US$ 215,14 bilhões,
ficando em terceiro lugar no ranking de faturamento dos principais crimes
globais. A atividade perde apenas para pirataria e falsificações, que fatura
entre US$ 923 bilhões e US$ 1,130 trilhão e do tráfico de drogas, com um
faturamento entre US$ 426 bilhões a US$ 652 bilhões.
No mês em que se comemora o Dia
Mundial da Água, a Revista
Mineração & Sustentabilidade traz uma matéria
especial sobre um dos crimes mais recorrentes e que mais prejudicam o meio
ambiente, principalmente rios, lagos e mares, de onde a areia é retirada sem
controle.
Os dados do início dessa
reportagem são do Global
Financial Integrity (GFI) e estão no estudo “A Extração Ilegal
de Areia no Brasil e no Mundo”, divulgado em janeiro deste ano. A pesquisa foi
desenvolvida pelo agente da Polícia Federal (PF) e especialista em direito
ambiental Luís Fernando Ramadon, na terceira série sobre o assunto. Em
2016, conforme publicada
na Revista
Mineração, o especialista abordou a extração ilegal no país. Já em
2015, ele desenvolveu uma análise denominada “Contabilidade da Extração Mineral
Ilegal no Rio de Janeiro”. Agora, Ramadon ampliou o debate para outras nações
onde a extração ilegal é rentável para os criminosos.
Ranking Atualizado dos Principais
Crimes Globais
Fonte: Global Financial Integrity
– GFI/ Estudo “A Extração ilegal de areia no Brasil e no Mundo”, de Luis
Fernando Ramadon.
“Há alguns lugares onde a atividade tem mais
significado, como onde as máfias controlam essa atividade. A areia é um recurso
barato, mas que se torna muito grande ao ser tomado da natureza sem controle.
Onde tira, ela não se repõe. Países que começam a se desenvolver, normalmente
precisam de concreto para fazer habitações e obras, assim, o controle fica
muito difícil pelas polícias que, inicialmente, não têm noção desse problema”,
afirmou o autor do estudo.
O Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (Pnuma) alertou, em 2014, sobre a possibilidade de
escassez de areia no mundo, devido a demanda crescente para construção civil e
de obras públicas. O recurso é acessível e disponível em rios, praias, e
depósitos, mas a atividade tem um preço: danos ambientais irreversíveis.
O problema é mais comum em
países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, que necessitam de areia para
construção e obras de infraestrutura urbana. Encabeçam a lista nações da Ásia
e África como China, Índia, África do Sul, e de outros continentes, como
as Américas, onde o Brasil se destaca.
No entanto, conforme explica o
diretor de Projetos Para Políticas Globais e Sustentabilidade da European Environmental Bureau,
organização de proteção ao meio ambiente da Europa, Nick Meynen, o problema é
perceptível em todo o mundo. “Ao contrário do petróleo ou do urânio, a areia é
distribuída de maneira muito mais uniforme em todo o mundo e os problemas
surgem em todo o mundo também. Seria, portanto, uma deturpação da realidade
listar três ou quatro países onde o problema é particularmente agudo – porque
esse problema é glocal =
global e local ao mesmo tempo. Além disso, raramente ocorre em nível nacional,
já que geralmente envolve máfias regionais ou locais lutando contra a
resistência local a elas”, salienta.
Na China, por exemplo, a
demanda por cimento aumentou mais de 400% nos últimos vinte anos, conforme
dados do Pnuma.
DESDE 2000, AS EXTRAÇÕES SÃO PROIBIDAS NO RIO
YANGTZE, LEVANDO AS DRAGAGENS PARA O LAGO POYANG, LOCALIZADO NA PROVÍNCIA DE
JIANDXI, NO LESTE CHINÊS.
Este é o maior lago do China,
com 3.585 km2, sendo 170 km de comprimento, 17 km de largura, e profundidade
entre 8 e 25 m. O local também comporta a maior mina de areia do mundo, de onde
são extraídos 236 milhões de metros cúbicos da matéria-prima por ano.
A atividade provocou o
rebaixamento do lençol freático, causando prejuízos à fauna, flora e moradores
do entorno. No entanto, conforme o estudo, as autoridades chinesas estão se
atentando para a questão, combatendo a construção de embarcações ilegais e
realizando apreensões e prisões, na medida em que se é possível fiscalizar.
Barcos de carga no lago
Poyang, na China. Foto: Imagine China via Associated Press.
Singapura
na rota da areia ilegal
Já na Malásia o problema maior
é ligado à exportação de areia ilegal, normalmente tendo como destino o vizinho
Singapura, país que tem crescido consideravelmente nas últimas décadas.
O PAÍS NÃO POSSUI MAIS RESERVAS PARA EXTRAÇÃO DE
AREIA, SENDO NECESSÁRIO IMPORTAR PARA SUPRIR A CRESCENTE DEMANDA.
Em 2008, apenas legalmente, o
país importou mais de US$ 273 milhões em areia, mais do que qualquer outro país
no mundo.
A sede singapurense por areia
também afetou áreas na Indonésia, que enxergaram na demanda uma forma de lucro.
Os indonésios chegaram a destruir ilhas inteiras nos mares entre os dois
países, devido à dragagem ilegal. Em 2003, foram enviados da Indonésia para
Singapura aproximadamente 300 milhões de metros cúbicos de areia, no valor de
US$ 2,5 bilhões.
Outro país que exporta
ilegalmente para Singapura é o Vietnã. De acordo com o estudo, apenas nos dois
primeiros meses de 2017, 900 mil metros cúbicos de areia foram transportados
para os singapurenses – tudo de forma ilegal.
O Camboja também é uma das
nações de onde vêm a areia utilizada em Singapura. Segundo o estudo, “os dados
das Nações Unidas mostraram US$ 752 milhões em importações de areia do Camboja
desde 2007, apesar de o Camboja informar apenas cerca de US$ 5 milhões nas
exportações para Singapura”.
Índia
Na Índia, o problema chega a
ser tão grave que, aqueles que ousam denunciar, podem sofrer graves ameaças ou
até serem assassinados. Além da dragagem ilegal, algumas pessoas extraem a
areia de forma manual, correndo risco de vida. Elas chegam a mergulhar cerca de
30 metros de profundidade para recolher areia no fundo do rio e depositar em
baldes sem qualquer tipo de segurança.
De acordo com matéria do Washington Post, citada
pelo estudo, uma máfia age no país, controlando esse mercado milionário e
ilegal. A atividade é alimentada pelo crescimento desenfreado do país, que
representa o terceiro maior negócio de construção do mundo – perdendo apenas
para China e Estados Unidos. A demanda por areia já é alta, no entanto, o país
não possui nenhuma regulamentação sobre a extração do material, o que provoca
danos ambientais nas regiões onde as dragagens operam.
Extração ilegal de areia
no Estado de Tamil, na Índia. Foto: Sibi Arasu.
No país, a extração ilegal de
areia movimenta, por ano, cerca de US$ 2,3 bilhões, segundo um levantamento
publicado pelo jornal Times
of India. Mas o combate à atividade torna-se ainda mais difícil
devido à corrupção e ao envolvimento de políticos e autoridades policiais com
as operações ilícitas. Somente no Estado de Tamil Nadu são retirados,
ilegalmente, 50 mil caminhões de areia por dia. A Índia possui ainda outros
onze pontos no país de dragagem ilegal.
Combate à
corrupção
A corrupção é comum a vários
locais onde a extração ocorre. De acordo com Nick Meynen, quando não há regra
local, pode-se esperar pouco de um governo a nível nacional.
Segundo ele, na Índia, por
exemplo, a principal força de ataque é a combinação de ativistas de base e da
Suprema Corte. Algumas pessoas no governo são cúmplices da máfia de areia.
Por isso, ele afirma que há
atitudes que os governos não corruptos podem executar como: regular o setor de
mineração de areia, estabelecer limites para a extração e políticas corretas/
reversíveis que contribuam para a crescente demanda por areia – por exemplo, na
indústria da construção. Em alguns países, os construtores são forçados a
reciclar os resíduos do prédio antes de se voltarem para a produção de novos
concretos (que precisam de areia).
“Em geral, uma combinação de
políticas de economia circular fortes e vinculantes, bem como políticas
limitadoras de extração, deve ser endossada para atacar o problema em suas
raízes, que é a falta de capacidade do chamado mercado livre de internalizar o
custo real para a sociedade da extração de areia”, destaca.
Consequências
Ocorrências de extração ilegal
de areia também são registradas na Baía de Monterrey, na Califórnia (Estados
Unidos); na África do Sul; e na Austrália. Os prejuízos ambientais, de acordo
com Luis Fernando Ramadon, são incontáveis indo desde o aumento do assoreamento
dos rios, até destruição de biomas e de cursos d’água utilizados por
comunidades em geral. Rios, praias e lagos costumam ser seriamente degradados.
Areal da Cemex, Baia de
Monterrey, na Califórnia (EUA). Foto: Edward Thornton.
Outro problema é a alteração
dos cursos hídricos, descaracterização do relevo com erosão do solo, destruição
de áreas de preservação permanente e até mesmo poluição do ar devido ao aumento
da quantidade de poeira, quando o minerador extrai fora da área autorizada ou
sem ter os licenciamentos necessários.
“Tenho a consciência que o
mundo não se desenvolve sem a mineração, mas ela deve ser feita com
sustentabilidade e com a fiscalização permanente do Estado, que precisa ter a
consciência de que esse é um crime muito lucrativo, sendo o terceiro no mundo
em rentabilidade e o primeiro em degradação. Somam-se todos os outros crimes
ambientais e eles não alcançam a extração ilegal de areia”, afirma Ramadon.
BRASIL: FONTE RICA PARA OS MINERADORES ILEGAIS
O Brasil também não fica de
fora do alvo dos criminosos. Por aqui, o faturamento anual com a extração
ilegal gira em torno de R$ 7,665 bilhões e R$ 8,078 bilhões, conforme os dados.
O considerada extração ilegal quando é descumprido o Código de Mineração, que
legaliza duas formas de extração da areia.
A primeira é a classe II,
quando a areia é utilizada na construção civil, cuja licença de exploração é de
responsabilidade do município. A segunda, é a Classe VII, quando utilizada para
fins industriais, com concessão de lavra liberada pelo Ministério de Minas e
Energia.
Devido a fiscalização
insuficiente, os criminosos conseguem burlar a legislação e operar deixando
rastro de destruição por onde passam. No Brasil há registros dessa atividade
ilegal em todas as regiões do país e em praticamente todos os Estados.
No entanto, os casos que mais
se destacam, conforme o estudo, são dos municípios de Seropédica e Maricá, no
Rio de Janeiro. O primeiro, é polo areeiro no país e, devido à atividade, sofre
com áreas degradadas. No local, a areia é extraída deixando cavas que são
preenchidas com águas freáticas do Aquífero Piranema.
Extração ilegal de areia
em Seropédica (RJ). Foto: Luis Fernando Ramadon.
“Em função do meu trabalho fiz
diversos sobrevoos de helicóptero pelos areais de Seropédica, a cerca de 60 Km
do Centro do Rio de Janeiro. Desta forma, tive a oportunidade de ver como a
extração ilegal de areia compromete e degrada não só o meio ambiente, mas
também todos os locais em que ocorre”, comenta Ramadon, que também já atuou
como Chefe do Núcleo de Operações da Delegacia de Combate aos Crimes Ambientais
e Patrimônio Histórico (DELEMAPH).
Já em Maricá, onde havia praias
fartas de areia e até com dunas no passado, atualmente também só restou
degradação. Em uma delas, uma grande cratera foi aberta, chamada pelos
moradores de “maracanã”.
“A razão destes trabalhos a
nível estadual, nacional e global é conscientizar ao Estado e a Sociedade de
que existe um crime muito importante que deve ser combatido para proteger
eficazmente o meio ambiente, para evitar tamanha degradação, além de ser uma
forma de proteger nossos recursos hídricos, tema de próximos estudos”, finaliza
Ramadon.
O que diz a lei no Brasil?
De acordo com o advogado,
mestre em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e autor
do livro Direito Minerário, Pedro Ataíde, minerar areia no país sem as devidas
licenças constitui em dois crimes. O primeiro se refere à usurpação do
patrimônio da União, baseado na Lei Federal 8.176, de 8 de fevereiro de 1991. O
segundo, é o cometimento do crime ambiental, previsto no artigo 55 na Lei dos
Crimes Ambientais (9.605/1998).
Na opinião do especialista, o
fortalecimento da fiscalização é o meio mais eficaz de se combater o crime.
“Melhorar o trabalho fiscalizatório é uma das formas de se resolver. O problema
da extração ilegal de areia é que muitas vezes não se sabe onde é o
empreendimento, normalmente em locais escusos, por isso precisa de uma
fiscalização mais intensa e, também, com participação popular para denunciar”,
afirma.
Outro ponto de extração
ilegal de areia em Seropédica (RJ). Foto: Luis Fernando Ramadon.
Para o perito criminal federal,
componente do Grupo de Perícias em Meio Ambiente (GPMA), Flávio França Nunes da
Rocha, a informalidade ainda é grande na área de extração mineral e a falta de
articulação e atuação dos órgãos públicos responsáveis por regular e fiscalizar
o setor contribuem para que o crime se fortaleça.
“Fazemos votos de que a
recém-criada Agência Nacional de Mineração (ANM), reivindicação de mais de 20
anos dos funcionários de carreira do extinto Departamento Nacional de Produção
Mineral (DNPM), venha trazer ordem a este que é um setor fundamental para o
desenvolvimento econômico do Brasil”, completa, citando a ANM, criada por meio
de Medida Provisória no final de 2017.